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Quando a garota se levantou, já não havia muito a pensar. Nunca fora tão difícil tomar uma decisão, que ela sabia que afetaria toda sua vida, embora desconhecesse se poderia ser positiva ou negativa. Sacudiu a poeira da roupa e observou os outros potenciais passageiros, confusos, da estação. Em seus rostos, a certeza da mesma luta interna que ela vivenciara. Vou ou não vou? Não havia ninguém acompanhado, apenas pessoas solitárias com suas pesadas malas, olhando ansiosos seus relógios de pulso. Estava chegando a hora.

Quando o trem estacou, um homenzinho pulou de um dos vagões, chamando todos aos seus lugares. Houve algazarra geral, todos os passageiros se precipitaram, desejosos por deixar a estação, aquele meio termo entre duas vidas.

– Não é possível o porte de malas no trem. Os senhores terão de deixa-las na estação. Sinto muito.

As palavras do homenzinho foram recebidas com olhares de raiva e um silêncio repentino. A impressão que a garota teve era que todos estavam repensando muita, muita coisa. Por fim, um por um foram abandonando suas bagagens e entrando no trem.

A garota se mantinha de pé, mas não havia dado um passo. Ela sempre ouvira falar que todos fariam essa viagem várias vezes na vida, mas aquela era sua primeira vez. Ela estava assustada e não sabia se o que encontraria no destino final daquele trem seria melhor que onde estava atualmente. Ela ouvira varias historias que nesse novo lugar era mais fácil se livrar dos fantasmas na nossa cabeça, como se um mundo novo se abrisse. Mas ouvira também que era melhor não se arriscar e permanecer parada, para não sofrer mais ainda.

Ela se dirigira a estação com a primeira hipótese na cabeça, mas no momento do embarque, a outra relanceava sedutoramente na frente de seus olhos. Não sofrer mais… isso parecia bom. Para que se arriscar?

As pessoas ainda entravam no trem e, os rostos que ela conseguia observar através do vidro pareciam mais tranquilos, simplesmente porque entrar no trem simbolizava o começo da mudança.

Mas será que valeria a pena deixar tudo que conhecia por algo novo e arriscado? Ela já sabia lidar com o sofrimento conhecido, a perspectiva de vencê-lo e arranjar outro que ela não sabia como lidar não lhe agradava. Mas desistiria sem tentar? Será mesmo que as coisas não melhorariam? Não havia garantias que as mudanças não seriam positivas.

“Entre, menina” chamou sua voz interior.

– Entre, menina. – chamou o homenzinho do trem.

– Porque eu deveria?

O homenzinho sorriu compassivo.

– Essa é uma decisão interior. Ninguém pode tomá-la por você, apesar de vários tentarem influenciá-la.

– Quem é você?

– Eu posso ser visto de várias formas. Como você me vê?

– Como alguém que está me deixando mais confusa ainda…

– Isso pode ser bom, você sabe. A reflexão geralmente leva a mudanças práticas.

– Eu não entendo o que você fala.

– É porque não me escuta com a cabeça, somente com o ouvido. Preste atenção menina, que você vai entender.

Ele continuava com o olhar solidário e o sorriso gentil. A garota pensou. Era mais do que ouvir, era pensar. Refletir. Inconscientemente olhou para suas malas, pequenas se comparadas à de outras pessoas, como um senhor de olhos tristes e uma jovem grávida de rosto sofrido. Apesar de pequenas, suas malas eram feias, com aspecto e cheiro desagradável.steam_engine_train_station_wallpaper-normal

O homenzinho, reparando na direção do seu olhar, comentou suavemente:

– Você terá a oportunidade de conseguir novas malas. Limpas.

Lentamente, a garota ergue a cabeça e sorri para o homenzinho, um lampejo de entendimento e luz passando por seu rosto de menina.

Ele, satisfeito, abre passagem para ela no vagão.

– Seja bem vinda.

Metade do peso da decisão dissipou-se no momento em que subiu no trem. E sabia que a outra metade também sumiria quando este vagarosamente começasse a se mover.

Sentou-se ao lado de pessoas pacíficas, se sentindo mais limpa, sem a sujeira das antigas malas, e mais alegre, sem o peso destas.

Respirou profundamente.

O trem começou a andar. Não andava rápido, mas era suficiente para se afastar de onde ela não queria mais voltar.

A perspectiva de abandonar o velho e abraçar o novo agora lhe agradava. E num átimo, percebeu para onde viajavam: para o futuro.