Estavam sentados à mesa, no bar. O professor grisalho tomava uma dose caprichada de cachaça. O rapaz, seu aluno, bebia uma cerveja importada.
— Eu me recuso a aceitar essa história de que os planetas e as estrelas me dizem quem eu sou — disse o professor. — Não posso ser reduzido a essas coincidências planejadas que chamam de “destino”. Como você pode dizer que a lua, cometas ou o alinhamento de Marte e Vênus vão me definir ou influenciar de alguma forma?
— Acho que o senhor não deveria ser tão radical, professor. A ciência não explica tudo.
— Ela nem tem essa pretensão. A ciência quer, mais do que explicar, entender. Experimentar, questionar, testar. É sobre o que podemos conhecer, e nunca fincar limites. O conhecimento é infinito, e uma questão sem resposta é, na verdade, mais um estímulo que um obstáculo.
— Mas a astrologia…
— A astrologia é, infelizmente, uma pseudociência. Nada do que é afirmado por ela pode ser comprovado empiricamente.
— E como você explica os padrões de comportamento de cada signo?
— Sugestionabilidade e necessidade de sentido. Somos criaturas engraçadas… procuramos explicações em tudo, e juntamos evidências de acordo com o nosso desejo. “Sou de peixes, então, devo me encaixar aqui”. Muito cômodo isso.
— O senhor é muito cínico! — disse o estudante.
— É verdade.
— E não acredita em nada?
O professor balançou a cabeça, sorrindo.
— Nem na ciência? – perguntou o jovem.
— A ciência é um caminho, uma porta, um instrumento. Ela não dá respostas, ajuda a encontrar. Nada é definitivo.
— E a ordem na natureza, hein? Isso não comprova a existência de Deus?
— E lá vamos nós forçar a barra de novo. Que ordem, meu filho?
— A proporção áurea, o pi, a gravidade que age da mesma maneira em todo o universo…
— Acho legal isso, usar a ciência somente quando é interessante… Não há ordem na natureza, só há caos. A ordem surge de nossa necessidade desesperada de achar sentido nas coisas, e no nosso medo de morrer. Estamos à mercê do acaso, o tempo inteiro entre a vida e a morte. Bactérias, vírus, mosquitos, aranhas, quedas, atropelamentos, balas perdidas, coágulos, aneurismas… Ah, e a mecânica quântica não serve para explicar os seres humanos e suas relações.
— Meu Deus, como consegue viver assim, sem se apegar a nada? Você deve ser a pessoa mais triste e solitária do mundo!
— Um pouco triste e um muito solitário — O professor secou o copo com um gole só, apertou os olhos numa careta e sorriu. — Mas estou bem com isso. É melhor o amargor de uma vida lúcida que a doçura de uma vida cheia de ilusões.
— Não acredito que o senhor consiga ser tão vazio!
— Sou vazio porque sei que não posso compreender a vastidão do mundo e a infinitude do universo. Sou vazio por saber que, diante da existência, sou menor que um grão de areia. Encaro e aceito minha insignificância perante o Universo com a serenidade de saber que, após a morte, irei para o mesmo lugar onde estava antes de existir: o Nada.
— E isso não te assusta?
O professor colocou mais uma dose em seu copo.
— Nem um pouco — disse ele. — A vida é boa, mas é cheia de sofrimento e dor. Poder esquecer tudo, deixar de existir… soa como um alívio para mim.
— Então por que o senhor não se mata?
— Você não ouviu o que eu disse? A vida é boa.
— O senhor é tão contraditório!
— É que eu sou de peixes.
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Ótimo!!! Nada como conversas de bar em uma boa segunda-feira. Mesmo com uma criatura de peixes… =P
😉