– Tudo o que eu queria agora era morrer.
– Que bobagem. Você tem tantas boas experiências novas pra viver… Tanta coisa pra fazer!
– Pode ser… E vontade alguma pra cuidar de todas elas.
– Poxa. E como você pensa que a morte é a soluçao? Lembre-se de quantas coisas boas você já viveu! Nao seria ótimo viver mais dessas experiências?
– É que… pois é exatamente isso. Já vivi realmente experiências lindas, incríveis. Mas foram tao boas que agora parece impossível que vão se repetir. Ou deixei escapar a oportunidade de manter essas coisas boas por mais tempo ou era pra durar pouco mesmo. E só pra cruelmente me deixar com esse gosto de quero mais… ou seja, elevar meu padrão de expectativas.
– Cara, a vida tem mesmo seus altos e baixos. Mas pra viver os altos, há que aprender a viver os baixos, né? Todo mundo faz isso. Você nao acha que tanta gente trabalha em trampos chatos, passa por coisas horríveis na vida, mas aguenta e supera?
– Tá, eu sei que tanta gente deve suportar seus problemas. Mas todos devem ser mais fortes do que eu entao.
– Que bobagem, mano. Nao pode ser comodista desse jeito. Tenha mais confiança em sua capacidade! Força!
– Nao tenho nao. Acabou. Foram decepcoes demais.
– Ok, deixe pra depois entao. Descanse um pouco e depois resolva isso. Mas morrer você nao vai.
– Tá bem. Vou dormir entao. É assim que se parece quem morre mesmo, não?
…
Sonhos: Voos, beijos. Mulheres, fama, sucesso. Amigos, aventura. Novos e antigos trabalhos de prestígio. Vídeo-clipe de cenas e emoçoes.
…
Até acordar. Ou quase isso.
– Vamos, cara. Já deu. Agora levanta dessa cama. Você tem coisas pra fazer. Seus projetos. Suas responsabilidades. Seus planos de vida. Falta pouco. Você já se dedicou tanto, lembra?
– Caramba. Já se passaram 5 horas?
– Sim. Levanta.
– Eu queria que o tempo tivesse parado.
– Larga mão! Isso nao existe.
– Nao quero mais ser cobrado para ser ativo, produzir coisas. Me deixa em paz.
– Eta… Te chamo de novo daqui a uma hora, heim? Se recupere entao.
…
– Vamos?
– Já passou aquela hora?
– Duas horas se passaram na verdade… Vamos cuidar do doutorado?
– Nao, não acho que vale a pena mais.
– E o que é que você acha que vai valer mais a pena? Ficar aí dormindo vale?
– Pelo menos, nesse tempo eu apago. Fico em anestesia. Nao tenho mais que pensar em nada.
– Para com isso, mano. Você tá só adiando o que você tem que fazer.
– Ou talvez eu nao faça nunca mais.
– Claro que vai. Olha, tudo bem estar sem ânimo agora. Tira uns dias entao. Vai se divertir. Vai ver gente. Passeia um pouco. Entao você cuida da sua pesquisa… E também nao esquece dos artigos que tá devendo. E dos livros.
– Claro. Depois a gente vê isso. Valeu e até lá…
…
– Vamos. Já se passaram alguns dias.
– Quantos? Três?
– Na verdade, passou uma semana.
– Caramba. Bem… azar. Deixa pra lá.
– Que deixa pra lá! Você vai cuidar das suas responsabilidades!
– Já demorei tanto mesmo. Já tô queimado.
– Tudo bem, vai, entrega. Eles te deram uma chance a mais. Só nao pode demorar muito além.
– Ok, eu levanto… Vou só beber alguma coisa antes.
– Tá. Em seguida você vai pegar aquele maldito computador e cuidar do seu trampo.
– Beleza…
…
– Ei, aonde voce ta indo agora?
– Pra cama.
– Porra, nao combinamos que você ia resolver o trampo agora?
– Ah, sei lá. Nao tenho vontade.
– Tem vontade de fazer o quê agora entao?
– Hummm… De ver mais um episódio daquela série sobre suicídio no Netflix.
– Mas você já assistiu horas dessa série ontem!
– Pois é, mas tô muito curioso pra saber o que vai acontecer agora… Ela é muito interessante. O rapaz ta pra ouvir a gravação do que ele fez de errado com a moça que se matou.
– Aliás, você nem devia estar vendo esse tipo de coisa com esse seu estado de espírito.
– É o que eu to a fim de fazer, ta? Me deixa.
– Ta. Em seguida você trabalha ao menos umas 2 horas na tese?
– Vou tentar, ne…
…
– Ok, deu, vamos? Foram até mais três episódios!
– Não, vou sair pra comer alguma coisa.
– Caramba.
– To com fome, ne?
– Fome? Você ta indo comprar bebida e chocolate de novo que eu sei. Isso é de matar fome?
– Bem, é fome dessas coisas…
– Isso não seria fome. E sim vício. Consumo de bobagens. Álcool e açúcar.
– Ah, tenha dó, ne. São minhas singelas fontes de prazer na vida.
– Mas você já não obteve prazer com a bebida que tomou antes e os episódios da série que viu agora?
– Ah… são prazeres muito superficiais. Por isso preciso de muitos pra compensar.
– Compensar o quê?
– Minha falta de perspectiva de vida de agora.
– Como falta de perspectiva?
– Ora. Você sabe. Perdi minha esposa e filha. E antes perdi o melhor trabalho de minha vida.
– Ok. Você pode conseguir outro amor, outra família e trabalho.
– Você sabe que não é fácil pra mim. Sou muito tímido. E velho. E não há mais oportunidades de trabalho como aquela. Ao menos nunca mais consegui. Foram golpes de sorte. Sinto que vou ficar sozinho e tendo que suportar migalhas de agora em diante, o tempo todo…
– Você tem que olhar a vida com outros olhos. Busque extrair prazer e orgulho de suas novas realizações! Mas pra isso, não pode continuar enrolando assim. Senão claro que não vai ter realização nenhuma.
– …
– Certo, agora você pode ir trabalhar no seu doutorado. Vai, falta pouco.
– Nao, acho que ao invés disso, vou sair esta noite. E depois viajar. Talvez assim eu me anime um pouco.
– Ta, é ótimo tudo isso. Só cuidado. Você já se atrasou demais com tudo.
…
– Certo, você já ta há meses viajando. Cadê o trabalho? A pesquisa finalizada? E o livro?
– Eu… ainda não consegui motivação pra nada disso, desculpe. Estou esperando chegar a inspiração. Algum sinal. Minha vida melhorar um pouco pra ficar mais feliz e motivado. Sabe, é muito injusto o que perdi.
– Nao existe um momento certo ou ideal. O momento é agora se você quer fazer algo. E a vida pode ser mesmo injusta, traiçoeira e despedaçar nossos planos e lindos sonhos, fazer o quê? Seguir em frente.
– Você ta certo.
– Ótimo! Vamos então!
– …Mas acho que não quero mais nada mesmo. Ou simplesmente não tenho mais forças pra nada.
– Porra! Olha aqui. Se você não se levantar e escrever pelo menos um texto agora, eu te derrubo daí!
– Pode derrubar. Já to derrubado mesmo.
– Saco. Ta, eu escrevo pra você então…
Adorei e detestei ao mesmo tempo (rsrs).
Botou uma escuta na minha cabeça?
Muito similar ao dialogo entre o meu ânimo raro e fugaz versus meu desânimo.