Diego não tinha muita certeza do que estava fazendo. Era dia, fazia calor, o barulho do trânsito levemente abafado pelo ronronar do motor e pelo silvo do ar condicionado. Lá fora, outros carros e pessoas, cada um perdido em seus pensamentos, cada veículo um microverso autocontido.

O sinal abriu. Os carros da frente demoraram a sair; os de trás, claro, soaram as buzinas. Não havia mais espaço para gentileza ou paciência no mundo.

O telefone tocou. Mamãe.

— Oi, mãe.

— Oi filho! Onde você está?

— Trabalhando, né, mãe?

— E atende o telefone dirigindo, Diego?

— Mas mãe, a senhora ligou… podia ser alguma coisa.

— Desliga, depois eu ligo. Ou você me chama quando puder. Pelo zap, viu? Para não gastar seus créditos.

Diego desligou. A mãe ligava todos os dias, agora que o pai não estava mais lá. Era por causa disso, inclusive, que ele estava com o carro que tinha sido do pai.

Foi num dia como esse que ele recebeu a notícia, aliás. Ele estava no trabalho, digitalizando notas fiscais, quando o telefone tocou.

— Eu queria falar com Diego Souza.

— É ele aqui. Quem fala?

— Diego, aqui é o Benevides, lembra de mim? Trabalho na cooperativa com teu pai. Cara, aconteceu uma coisa meio ruim.

Benevides falou que o pai de Diego tinha parado o táxi no meio do cruzamento da 13 de Maio com a Avenida da Universidade. Os carros, claro, entraram numa dança louca, e uma viatura policial que havia perto encostou. Acharam seu Souza desfalecido, já meio roxo, deitado sobre a direção.

— Infarto fulminante, Diego. Meus pêsames, rapaz. Sei que vocês não eram muito próximos, mas ele foi levado para o HGF. Você pode ir lá encontrar com a gente?

Ele tinha ido. Passara em casa para buscar a mãe e resgatar o corpo, assinar a papelada, cuidar do velório. E seu Souza, também conhecido como pai, tinha sido enterrado no fim da tarde do dia seguinte, cercado por muitos amigos taxistas, o filho e a mãe, agora viúva.

Diego sentiu um incômodo no peito e no estômago ao lembrar do pai. Tinham se afastado com o tempo, mas lembrava que, quando criança, adorava andar com o pai nas viagens diurnas. Agora, estava amarrado àquele Ônix branco. Obrigado, papai.

Será que morreria como ele, em poucos segundos, atrás daquela direção? Ou seria num assalto, como era comum com a maioria deles? Ou de fome, na disputa com as grandes empresas que terceirizavam a mobilidade urbana, e que matavam os taxis sufocados pelos algorritmos? Ou morreria velho, aposentado, preso àquela vida ingrata, ao eterno e sufocante trânsito de Fortaleza?

Perguntas sem resposta. A garganta estava seca, mesmo com o ar condicionado ligado no máximo. Ou talvez por causa dele, já que o ar frio e seco colaborava para isso. Abaixou-se para pegar a garrafinha e, num instante, ouviu buzinas, gritos, metal esmagado e vidro quebrado. Depois disso, mas ao mesmo tempo, escuridão e silêncio.

Antes do Nada, porém, um sentimento difuso, uma leve ironia, cruzou sua mente moribunda como uma cor, ou um aroma carregado pelo vento:

— Em poucos segundos, pai — sussurrou a voz em sua cabeça.